11.2.09

Ouve, gosto de ti.


Gosto da tonalidade dos teus olhos e das tuas mãos nos meus ombros quando fazemos amor, das pernas que se enrolam com força nas minhas e me atam, me prendem, me imobilizam, me impedem de sacudir as ancas, em avanços e recuos, à medida que me beliscas, e me mordes, e me insultas, e acabas por morrer como um bicho pequeno, de súbito inocente, indefeso, sem rugas, numa cascatazinha de gemidos magoados, de cara transtornada como se fosses chorar. Gosto de ser, por segundos, mais velho do que tu quando te dou prazer, quando obedeces, numa aceitação humilde, ao ritmo do meu púbis, quando os meus músculos inesperadamente se distendem e te deposito na vagina dois centímetros cúbicos de paixão. Gosto de me abraçar a ti, depois, de bochecha no teu peito (medes mais três centímetros do que eu, o que me leva sempre a procurar, nas ruas, o lado mais alto dos passeios), e saber que enquanto tomares conta de mim a minha vida caminhará, de acordo com imprevistos e caprichos que me escapam, de uma forma empenada mas segura.

E aterra-me imaginar que uma noite qualquer, de volta de um concerto, com o estojo da flauta no sovaco, dou com o colchão vazio onde apenas a curva das tuas costas inscreve nos lençóis a impressão digital de uma ansiedade irreparável.


Auto dos Danados
António Lobo Antunes

Um comentário:

Anônimo disse...

Hoje li este post vezes sem conta. Parabéns pela escolha. :) beijinho, Eva.